segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Conto de Bukowski que está no livro "Ao Sul de Lugar Nenhum".

Você não consegue escrever uma História de amor

Margie ia sair com um sujeito, mas, no caminho, esse sujeito encontrou com outro que vestia um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro abriu o casaco de couro e mostrou as tetas e o outro sujeito foi até a casa de Margie e disse que não poderia mais ir ao encontro, porque esse sujeito, vestindo um casaco de couro, havia lhe mostrado as tetas e ele ia trepar com esse sujeito. Então Margie foi até a casa de Carl. Carl estava em casa e ela se sentou e disse para Carl:
- Um sujeito ia me levar para um café com mesas na calçada e íamos beber vinho e conversar, só beber vinho e conversar, só isso, nada mais, mas no caminho para me encontrar, esse sujeito encontrou outro com um casaco de couro e o sujeito com o casaco de couro lhe mostrou as tetas e agora esse sujeito vai trepar com o sujeito com o casaco de couro e eu fico com a minha mesa e meu vinho e minha conversa.
- Não consigo escrever – disse Carl – Acabou-se.
Então ele se levantou e foi até o banheiro, fechou a porta e deu uma cagada. Carl cagava quatro ou cinco vezes por dia. Não havia mais nada a fazer. Ele tomava cinco ou seis banhos por dia. Não havia mais nada a fazer. Ficava bêbado pela mesma razão.
Margie ouviu a descarga da privada. Então Carl saiu do banheiro.
-Um homem simplesmente não consegue escrever oito horas por dia. Nem mesmo consegue escrever todo dia ou toda semana. É uma situação péssima. Não há nada a fazer além de esperar.
Carl foi até a geladeira e voltou com um pacote de seis garrafas de cerveja Michelob. Abriu uma garrafa.
-Sou o maior escritor do mundo - ele disse.  – Você sabe como isso é difícil?
Margie não respondeu.
- Posso sentir a dor rastejando por todo meu corpo. É como uma segunda pele. Queria poder me livrar dessa pele como cobra.
- Bem, por que você não se deita no tapete e tenta?
- Escute - ele perguntou - , onde foi que a conheci?
- Na Bodega do Barney.
- Bem, isso explica um pouco as coisas. Beba uma cerveja.
Carl abriu a garrafa e lhe entregou.
- É... - disse Margie - eu sei. Você precisa do seu isolamento. Você precisa ficar sozinho. Exceto quando quer trepar,  ou exceto quando nos separamos, então você me liga. Diz que precisa de mim. Diz que está morrendo por causa de uma ressaca. Você enfraquece rápido.
- Enfraqueço rápido.
- E fica tão inerte quando estou por perto, nunca se excita. Vocês escritores são tão... preciosos ... não  suportam pessoas. A humanidade  fede, certo?
- Certo.
-Mas toda vez que nos separamos você começa a fazer festas gigantes que duram quatro dias. E de repente você acorda, começa a FALAR! De repente fica cheio de vida, falando, dançando, cantando, dança em cima da mesa de café, joga garrafas pela janela, encena trechos de Shakespeare. De repente você está vivo... quando estou longe. Ah, fiquei sabendo de tudo!
- Não faço festas. Odeio ainda mais as pessoas nas festas.
- Para  um sujeito que odeia festas, certamente você organiza um bocado delas.
- Escute,  Margie, você não me entende. Não consigo mais escrever. Estou acabado. Em algum lugar tomei uma trajetória errada. Em algum momento, morri durante a noite.
- O único jeito de você morrer é numa dessas suas ressacas gigantescas.
- Jeffers diz que até mesmo o mais forte dos homens fica encurralado.
- Quem foi Jeffers?
- Foi um sujeito que transformou Big Sur numa armadilha para turistas.
- O que ia fazer essa noite?
- Ia ouvir as músicas de Rachmaninoff.
- Quem é?
- Um russo que já morreu.
- Olha pra você. Fica ai sentado.
- Estou esperando. Alguns sujeitos esperam por dois anos. Ás vezes a coisa nunca volta.
- E se nunca voltar?
- Apenas vestirei meus sapatos e descerei a rua principal.
- Por que não arranja um emprego decente?
- Não existem empregos decentes. Se um escritor não consegue sucesso através da criação, está morto.
- Ah, para com isso,Carl! Existem bilhões de pessoas no mundo que não atingem o sucesso pela criação.  Quer me dizer que elas estão mortas?
- Sim.
- E você tem uma alma? Você é um dos poucos que tem uma alma?
- Diria que sim.
- Diria que sim! Você e sua maquininha de escrever!  Você  e os seus cheques mirrados! Minha avó  ganha mais dinheiro que você!
Carl abriu outra garrafa de cerveja.
- Cerveja! Cerveja! Você e a porra da sua cerveja! Isso está nas suas historias também. ”Marty ergueu sua cerveja. Quando levantou os olhos, uma tremenda loira entrou no bar e sentou ao seu lado...” Você está certo. Está acabado. Seu material é limitado, muito limitado. Você não consegue escrever uma  historia decente de amor.
- Você esta certa, Margie.
- Se um homem não consegue escrever uma história de amor, ele é um inútil.
- Quantas você  já escreveu?
- Não digo que sou uma escritora.
- Mas - disse Carl - você parece posar como uma crítica literária infernal.
Margie, depois disso, foi logo embora. Carl ficou sentado e bebeu o resto das cervejas. Era verdade, a escrita o havia deixado. Isso deixaria algum de seus inimigos do subsolo felizes. Eles poderiam aumentar em um tento a marca dos inimigos abatidos. A morte os agradava, em cima ou embaixo da terra. Lembrou-se de Endicott, Endicott sentado dizendo:
- Bem, Hemingway se foi, Dos passos se foi, Petchen se foi, Pound se foi , Berryman pulou daquela ponte... as coisas estão parecendo cada vez melhores.
O telefone tocou. Carl atendeu.
- Sr. Gantling?
- Sim - ele respondeu.
- Gostaríamos de saber se você estaria  interessado em uma leitura de algum dos seus trabalhos na Faculdade Fairmount.
- Bem, sim, qual a data?
- No dia 30 do próximo mês.
- Acho que não tenho nada marcado para esse dia.
- Nosso pagamento geralmente é de cem dólares.
- Geralmente recebo 150. Ginsberg  ganha mil.
- Mas ele é Ginsberg. Podemos oferecer apenas cem.
-Tudo bem.
- Bom, sr. Gantling. Enviaremos os detalhes para você.
- E o transporte? Dirigir até ai não é pouca coisa.
- Ok, 25 dólares pela viagem.
- Ok.
- Gostaria de falar com os estudantes em suas classes?
- Não.
- Oferecemos um almoço grátis.
- Vou aceitar o almoço.
- Bom, Sr. Gantling, estaremos esperando para vê-lo em nosso campus.
- Nos falamos.
Carl foi até o quarto. Olhou para a máquina de escrever. Colocou uma folha de papel  no rolo, então observou uma garota com uma minissaia surpreendentemente curta cruzar pela frente de sua janela. Depois começou a escrever:
“Margie ia sair com um sujeito, mas,no caminho, esse sujeito encontrou um outro sujeito que vestia um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro abriu o casaco de couro e mostrou as tetas e o outro sujeito foi até a casa de Margie e disse que não poderia mais ir ao encontro, porque esse sujeito vestindo um casaco de couro, havia lhe mostrado as tetas...”
Carl ergueu sua cerveja. Era bom voltar a escrever.

Ao Sul de Lugar Nenhum
Charles Bukowski
Tradução de Pedro Gonzaga
L&Pm Editores 




sábado, 25 de dezembro de 2010

O Rio que gostei de viver.

      Viver o Rio de Janeiro e muito melhor do que vê-lo.      












Depois de quatro meses de intensa atividade na livraria e na feira do livro de Porto Alegre, finalmente chegou a esperada semana de folga no Rio de Janeiro, programada com amigos cariocas, baianos, paulistas, mineiros e cearenses da comunidade História e Música. Quando se fala em semana de férias e descanso no Rio de Janeiro, nos vem à mente a imagem do Corcovado, Copacabana, Ipanema, Cristo Redentor, uma rede balançando preguiçosa, um violão tocando, água de coco gelada e preguiça. Não deu tempo para nada disso. Ainda bem, pois o que encontrei é a verdadeira riqueza do Rio de Janeiro: O povo carioca. No mais, andamos pela Vila Isabel, pelo Vaca Atolada na Lapa, na Cidade do Samba, e curtimos um lindo domingo na roda de choro da praça São Salvador no Flamengo. A Pedra do Sal não rolou mas fica para a próxima. 
Agradeço a Vó Jací, sempre atenta e preocupada com tudo e ao Orlando e a Roh que nos mostraram este Rio Maravilhoso. Obrigado Carlão pelo carinho. Um abraço muito especial aos amigos Fabiana e Júlio de Minas, ao Pino e sua turma da Bahia e a Zelia lá do Crato (Vamos aparecer por lá hora dessas), à Mônica, Conceição e Márcia (as meninas superpoderosas de São Paulo), e ao Luis Fernando do Samba na Fonte e ao Companheiro Ernesto, obrigado pelo livro. Sem esquecer da Thaís, da Elizabeth, da Ana Lúcia e da Terezinha.  Parabéns ao Orlando que teve sua composição escolhida para samba enredo da Vizinha Faladeira. 
Só para não perder o costume, aproveitei o tempo de viagem e espera nos aeroportos lendo Bukowski, cujo linguajar típico, escrachado e escatológico serviu-me de preparação para algumas palavras típicas do linguajar carioca (adoram falar porra e merda). Levei a edição pocket da L&pm do Ao Sul de Lugar Nenhum, escrito lá nos anos 70 que traz um Bukowski maduro e no auge da fama. No Livro diversos contos são protagonizados pelo Chinaschi, espécie de alter ego do autor e a maioria de seus personagens são bêbados, prostitutas, vagabundos, drogados e alienados da sociedade, que nos emocionam pelo singelo e e pela profundidade de seus sonhos. Bukowski nos mostra a poética da miséria humana que de alguma forma ou outra me remete diretamente a poética da favela que vi da janela do avião. E a propósito, foi impressão minha ou tem poucas livrarias no Rio de Janeiro?


Sem ciência, preferimos crer na mentira alheia do que em nossa própria realidade

          Aqui comigo e em algumas conversas mentais com minha gata, eu nutria uma espécie de esperança de que mais cedo ou mais tarde os e...