quarta-feira, 3 de março de 2010

O Albatroz Azul

Bacana ver João Ubaldo Ribeiro dar a volta por cima e brindar-nos com mais uma de suas pérolas. No Albatroz Azul ele conta a história de Tertuliano que por ocasião do nascimento do neto e por achar que a hora da morte estivesse próxima, trata de por alguma ordem ou perspectiva à sua vida. A narrativa flui perfeita entre passagens maravilhosas e trechos deliciosos: “Foi até a gaveta onde guardava o caderno de anotações. Olhou o estojo dos lápis, que estava junto ao caderno, pegou-o como quem fosse usá-lo, logo desistiu. Não ia anotar nada, não havia o quê, nem para quem. Queimaria o caderno, como fez sempre com os outros, esfregaria com os pés suas cinzas ao chão, como sempre lhe dera prazer fazer. Pensou algum tempo em armar e acender a fogueirinha, mas acabou não pegando o caderno. Quem quisesse que o pegasse depois, não ia nem entender direito o que estava escrito. Recostou-se na cadeira, olhou em redor e achou engraçado seu ar involuntário de quem está conferindo tudo, como antes de uma viagem”.
Tertuliano revive a história da sua vida que ele achava tinha sido roubada, pois seu pai vivia com duas irmãs em casas separadas, e para receber herança propôs que Tertuliano, o filho mais velho, se declarasse filho da tia. Cada amigo que encontra para contar da proximidade da sua morte e do nascimento do neto, tem seu próprio linguajar como o barbeiro Nascimento, por exemplo: - “Anelava, pois, por uma palavra do Compadre sobre o tema em pauta, tópico do dia, sem a menor anfibologia ou equívoco. Vox populi, Vox dei, de maneira que não encarava com ceticismo, antes pelo contrário, a convicção popular de que o petiz desgravidado com o pousadeiro apontado na direção lunar desfrutaria de uma vida plena de êxitos e sem empeços dignos de nota.”
Tem personagens como a Zirinha: “.. ela mesma também estava acostumada a dizer coisas que o povo estranhava, mas estranhasse à vontade, que ela não ligava. O Homem podia enfiar seu como-é-o-nomezinho numa mulher, fazer-lhe um filho e desaparecer, mas a mulher tinha que carregar o menino no bucho aporrinhando nove meses, dar de mamar, limpar merda e padecer sobressaltos anos seguidos. Por que além disso tudo, tinha que se conformar com um pai só para todos os seus filhos? E se puxassem todos eles ao lado ruim do macho escolhido, como ficava a mulher?  Ficava velha e cercada de um farrancho de ordinários, empesteando seus últimos anos e lhe tomando tudo o que pudessem.”
O Albatroz Azul é um livro leve e agradável de ler sobre vida, morte, nascer e renascer, onde cada personagem tem suas próprias crenças, sonhos e angústias, sem tentar convencer o leitor de nada, apenas a boa e velha literatura.
O Albatroz Azul
João Ubaldo Ribeiro
Nova Fronteira

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